Durante o domínio colonial britânico na Índia, as práticas de jogos de azar foram profundamente impactadas pelas políticas imperiais e trocas culturais. Enquanto alguns jogos tradicionais indianos foram marginalizados ou transformados, outros foram regulamentados e monetizados sob o governo britânico. O legado dessas mudanças ainda ecoa nas leis de jogos atuais da Índia e nas atitudes sociais.
O impacto do domínio britânico nos jogos tradicionais indianos
Antes da colonização britânica, os jogos de azar já faziam parte da sociedade indiana há séculos. Jogos antigos como os de dados (“pasha” ou “chaupar”) e cartas não eram apenas formas de entretenimento, mas também estavam ligados à mitologia e festividades sazonais. No entanto, com a consolidação do poder pela Companhia Britânica das Índias Orientais, as atitudes em relação a essas práticas começaram a mudar. A administração colonial considerava muitos jogos indianos desordeiros ou moralmente duvidosos, alinhando-se às sensibilidades vitorianas.
Em vez de respeitar os costumes locais, os britânicos tentaram ‘civilizar’ a população impondo restrições aos jogos que antes eram tolerados ou celebrados. Os jogos de dados foram particularmente visados, e o jogo em espaços públicos passou a ser associado à criminalidade. Essa visão imperial priorizava o controle sobre os costumes locais, contribuindo para a estigmatização de muitos jogos tradicionais.
Contudo, essa desaprovação não era aplicada de maneira uniforme. Em algumas regiões, os britânicos permitiram operações de jogos em escala limitada como forma de arrecadar receitas — especialmente loterias e apostas em corridas de cavalos, que refletiam os próprios passatempos europeus. Essa abordagem seletiva destacava o duplo padrão imperial: suprimir tradições locais e preservar práticas semelhantes de origem europeia.
Reformas legais e o estabelecimento das apostas ao estilo britânico
Um dos legados mais duradouros do Império Britânico na Índia é a Lei de Jogos Públicos de 1867. Essa legislação tinha como objetivo coibir o jogo desenfreado e ainda serve de base legal para as restrições atuais em diversos estados indianos. A lei fazia distinção entre jogos de habilidade e jogos de azar — uma diferenciação que continua sendo debatida atualmente.
As corridas de cavalos foram notavelmente isentas de várias restrições legais. Introduzidas pela elite britânica, tornaram-se uma forma popular de jogo regulamentado. O governo imperial investiu em hipódromos, criou clubes de turfe e até apoiou casas de apostas sob licenças rigorosamente controladas.
Esse modelo britânico institucionalizou um sistema que favorecia as apostas “civilizadas” enquanto marginalizava jogos tradicionais considerados “primitivos”. Ao legalizar seletivamente práticas alinhadas aos interesses coloniais, o governo reforçou uma hierarquia cultural que se refletia na regulamentação dos jogos.
Transformações sociais e resistência cultural
Apesar das restrições, muitas práticas de jogos tradicionais persistiram em espaços privados e rurais. Os indianos continuaram a jogar cartas e dados em eventos familiares, festivais religiosos e encontros comunitários. Em muitos casos, essas práticas tornaram-se formas silenciosas de resistência cultural frente à hegemonia colonial.
Além disso, surgiram formas híbridas de jogo, combinando elementos indianos e britânicos. Essas fusões culturais revelam a complexidade da interação entre o colonizador e o colonizado. Embora algumas tradições tenham se perdido ou sido reprimidas, outras evoluíram para novos formatos que sobreviveram ao domínio colonial.
As tensões entre repressão oficial e prática popular também fomentaram uma cultura de jogo clandestino, que ainda hoje influencia o cenário informal de apostas na Índia. A resistência local às imposições legais britânicas demonstra como o jogo também era uma expressão de identidade cultural.
Impactos duradouros nas leis e percepções modernas
Após a independência da Índia em 1947, muitas leis coloniais foram mantidas, incluindo a estrutura legal para jogos de azar. Embora alguns estados tenham adotado regulamentações próprias, o legado do Império Britânico ainda é visível nas proibições federais, nas definições jurídicas de “jogo” e na distinção entre sorte e habilidade.
Essa influência é percebida, por exemplo, na popularidade contínua das apostas em corridas de cavalos e nos debates modernos sobre legalizar cassinos e jogos online. A estrutura colonial criou um paradigma legal ambíguo que o governo indiano contemporâneo ainda precisa reformar completamente.
Do ponto de vista cultural, o estigma associado aos jogos tradicionais também persiste, refletindo as normas morais impostas pelos britânicos. Ao mesmo tempo, cresce o movimento por uma revalorização das práticas lúdicas indianas autênticas como parte da recuperação do património cultural pós-colonial.

Colonialismo, moralidade e jogo como ferramenta de controle
A motivação por trás da regulamentação colonial dos jogos de azar não era apenas moral ou econômica. O jogo também era um instrumento político. Ao criminalizar certos tipos de lazer, o império exercia vigilância sobre a vida cotidiana e reforçava sua autoridade sobre a população.
Os colonizadores usavam a lei para delimitar quais práticas de jogo eram aceitáveis e quais não eram. Essa distinção refletia uma hierarquia cultural e racial, onde os hábitos britânicos eram vistos como superiores aos dos súditos indianos. Dessa forma, o jogo tornou-se parte da maquinaria ideológica do colonialismo.
A influência britânica no jogo na Índia, portanto, deve ser compreendida não apenas como um fenômeno jurídico ou social, mas como uma expressão concreta do poder colonial. As práticas regulatórias visavam moldar comportamentos, impor valores e estruturar relações de dominação cultural.
Reflexões contemporâneas sobre o legado colonial
Hoje, ao observar o estado fragmentado das leis de jogos na Índia e as percepções sociais sobre apostas, torna-se evidente o peso do passado colonial. Debates sobre a legalização de cassinos, loterias estatais e jogos online frequentemente colidem com normas herdadas da era vitoriana.
A compreensão histórica desse legado é essencial para formular políticas públicas coerentes e sensíveis ao contexto sociocultural da Índia moderna. Isso inclui reconhecer como o controle colonial distorceu práticas culturais indígenas e impôs valores externos.
Reexaminar o impacto do Império Britânico nos jogos de azar pode ajudar a descolonizar não apenas as leis, mas também as narrativas em torno do que é considerado “moral” ou “aceitável” no contexto indiano. É um passo importante para restabelecer a autonomia cultural sobre o lazer e a tradição.